sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Cortella: "Não é só a educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também"

Para o filósofo Mário Sérgio Cortella, uma das principais referências do país em educação, somos a primeira geração que testemunha mudanças de paradigmas tão velozes. E é natural que os pais se sintam perdidos. Então, afinal, qual o segredo para não ficar ultrapassado na educação dos filhos?

Texto original - Revista Crescer 

“A novidade não é a mudança no mundo, é a velocidade da mudança.” Foi assim que o filósofo Mário Sérgio Cortella, professor há 42 anos, pai e avô, abriu a palestra Novos Tempos, Novos Paradigmas, que aconteceu em São Paulo, no fim de setembro. Diante de uma plateia hipnotizada pelo vozeirão com sotaque sulista e pela naturalidade em tratar temas complexos sem firulas, ele deixou claro que o grande desafio da atualidade é acompanhar as transformações para não ficar para trás. Sim, estamos vivendo um tempo de reviravoltas sem precedentes: na tecnologia, no trabalho, nas relações. Nesse contexto, mudar não é apenas imprescindível, mas inevitável. Principalmente quando se fala em educação. Em entrevista exclusiva à CRESCER, Cortella separa o que é velho do que é antigo, defende que pais podem ser, sim, amigos dos filhos sem perder a autoridade e critica o peso colocado na escola para assumir um papel que é da família. Confira!

Como essa mudança tão veloz de paradigmas tem afetado a forma como os pais criam os filhos?

Uma parte das famílias acabou perdendo um pouco a referência dada à velocidade das mudanças e à rarefação do tempo de convivência com as crianças. Isso fez com que muitas acabassem terceirizando o contato com os filhos e delegando à escola aquilo que é originalmente de sua responsabilidade. Só que isso perturba a formação das novas gerações. É claro que criar pessoas dá trabalho e exige esforço. Acontece que, no meio de todas essas mudanças, alguns pais e mães ficam desorientados. Por isso, é necessário que eles encontrem apoio, em livros, revistas, grupos de discussão. Não é só a educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também.

Ao mesmo tempo que muitas famílias terceirizam os cuidados, há um movimento de mães e pais largando a carreira para se dedicar exclusivamente aos filhos, não?

Claro. Uma das coisas mais importantes na vida é entender que a palavra prioridade não tem “s”. Não tem plural. Se você disser: “tenho duas prioridades” é porque não tem nenhuma. Então, deve estabelecer qual é a sua prioridade. Sua prioridade é o convívio familiar? Então dê força a isso. É a sustentação econômica? Vá fundo. Só que, ao escolher, não sofra. É evidente que ninguém precisa abandonar a carreira em função da família, mas é necessário buscar o equilíbrio - da mesma forma como se faz para andar de bicicleta: só há equilíbrio em movimento. Se você parar, desaba. Tenha em mente que haverá momentos em que a família é o foco. Em outros, a carreira. Mas lembre-se de que a vida é mais como maratona do que como uma corrida de 100 metros rasos: você não sai disparado feito um louco. Tem horas que vai mais rápido, outras em que desacelera. O segredo é ir dosando.

Você diz que, em um mundo de mudanças, nem tudo o que é antigo é velho. Como saber o que está ultrapassado na criação dos filhos?

No convívio familiar, uma coisa que é antiga, mas não é velha, é o respeito recíproco. Outra é a capacidade de o adulto saber que a criança é “subordinada” a ele, ou seja, que está sob as suas ordens. O pai não pode se tornar refém de alguém que ele orienta e cria. Agora, uma coisa que é velha e que deve ser descartada é o autoritarismo, a agressão física, o modo de ação que acaba produzindo algum tipo de crueldade. Isso é velho e é necessário, sim, mudar. Na relação de convivência em família é preciso modificar aquilo que é arcaico. O que não dá para perder é a honestidade, a afetividade e a gratidão. Tudo isso vem do passado e tem que continuar.

E como os pais podem construir essa autoridade sem autoritarismo?

O pai e a mãe têm que saber que ele ou ela é a autoridade.  Ao abrir mão disso, há um custo. Quem se subordina a crianças e jovens, e têm sobre eles alguma responsabilidade, está sendo leviano.

A educação de gênero tem gerado repercussão no meio escolar. Como você acha que as escolas devem abordar esse tema?

Uma sociedade que não é capaz de atender à diversidade que a vida coloca é uma sociedade tola. É preciso lembrar que a natureza daquilo que é macho e fêmea está na base biológica, mas o gênero se constrói na convivência social. O macho e a fêmea vêm da biologia. Mas o que define masculino e feminino é aquilo que vai se construindo no dia a dia. Por isso a escola tem que trazer o tema. É claro que não vai incentivar uma discussão que seja precoce para crianças de 8, 9, 10 anos. Mas também não vai fazer com que aquele que é diferente seja entendido como estranho. Aquele que é diferente é apenas diferente, não é estranho. Nessa hora, é tarefa da escola acolher. Se a família não concorda e a escola é privada, mude a criança de escola. Agora, se for uma instituição pública, é um dever constitucional e republicano admitir a diversidade.

***

Gostou post?
Sugerimos que assista ao vídeo onde tratamos do conceito de família com a animação Procurando Dory.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin