Beatriz de Paula Souza Psicóloga e mestre em Psicologia Escolar, é coordenadora do Serviço de Orientação à Queixa Escolar, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), e membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
Distúrbio de aprendizagem, doença, obstáculo para leitura e escrita e justificativa para o fracasso escolar. Essas são algumas das definições que a dislexia recebe por parte de diversos setores da Educação e da área médica. Embora tenha sido identificada no fim do século 19 e conste da atual Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), até hoje não se chegou a um consenso sobre o que ela é - e se existe.
Enquanto isso, o que se vê são crianças, jovens e adultos com dificuldades na aquisição da leitura e da escrita que seguem a vida rotulados como incapazes de aprender. Cada vez mais, os casos são atestados por laudos que discorrem sobre o comportamento dos indivíduos de modo isolado da realidade escolar deles. Isso se torna mais um impedimento para que a forma como se ensina seja questionada e repensada para atender a todos.
Com mais de 15 anos de experiência, a psicóloga Beatriz de Paula Souza defende que a dislexia de desenvolvimento (diferentemente da decorrente de lesões cerebrais, congênitas ou não) é uma doença inventada.
Qual sua opinião em relação aos diagnósticos de dislexia?
BEATRIZ DE PAULA SOUZA Em tantos anos de trabalho na área de Educação - atuei muito em escolas como psicóloga escolar -, nunca vi uma criança com um problema orgânico que justificasse uma dificuldade específica com a leitura e a escrita, tal como é descrito no quadro de dislexia. Estou há 15 anos no Serviço de Orientação à Queixa Escolar, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), e minha equipe tem recebido muitas crianças e adolescentes com problemas na vida escolar relacionados a leitura e escrita que chegam com laudos assinados por instituições renomadas indicando que são disléxicos. Mas os documentos nunca apontam uma investigação sobre o ensino. Os questionários abordam os alunos e como eles se comportam na escola, mas não indagam que escola é essa. Isso não faz sentido.
Como deveria ser o procedimento então?
BEATRIZ Somente consigo entender determinado comportamento levando em conta a circunstância e o ambiente em que ele emerge. Alunos defasados em leitura e escrita não são disléxicos. Alguns foram castigados por muitos anos enfrentando problemas nos bancos escolares e estão em grande sofrimento por ter recebido o diagnóstico de dislexia. Tornaram-se incrédulos em relação à própria capacidade de aprender. Chegam a tremer quando se aproximam de um texto e querem fugir da situação.
Existem estudos comprovando que é um contrassenso considerar somente o indivíduo em vez de incluir o que e como se ensina a ele?
BEATRIZ Sim. Como exemplo, cito uma situação de investigação realizada por Frank Vellutino (norte-americano, pós-doutor em Psicologia e professor da Universidade de Albany, nos Estados Unidos). Em 1979, ele reuniu dois grupos de adultos: um com pessoas diagnosticadas disléxicas e outro com bons leitores. A ambos foi solicitada a leitura de um material escrito em hebraico, sendo que ninguém ali conhecia aquela língua. O resultado foi que a imagem no cérebro de todos os envolvidos na situação foi igual. Ninguém dominava o instrumento que tinha em mãos.
Enquanto isso, o que se vê são crianças, jovens e adultos com dificuldades na aquisição da leitura e da escrita que seguem a vida rotulados como incapazes de aprender. Cada vez mais, os casos são atestados por laudos que discorrem sobre o comportamento dos indivíduos de modo isolado da realidade escolar deles. Isso se torna mais um impedimento para que a forma como se ensina seja questionada e repensada para atender a todos.
Com mais de 15 anos de experiência, a psicóloga Beatriz de Paula Souza defende que a dislexia de desenvolvimento (diferentemente da decorrente de lesões cerebrais, congênitas ou não) é uma doença inventada.
Qual sua opinião em relação aos diagnósticos de dislexia?
BEATRIZ DE PAULA SOUZA Em tantos anos de trabalho na área de Educação - atuei muito em escolas como psicóloga escolar -, nunca vi uma criança com um problema orgânico que justificasse uma dificuldade específica com a leitura e a escrita, tal como é descrito no quadro de dislexia. Estou há 15 anos no Serviço de Orientação à Queixa Escolar, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), e minha equipe tem recebido muitas crianças e adolescentes com problemas na vida escolar relacionados a leitura e escrita que chegam com laudos assinados por instituições renomadas indicando que são disléxicos. Mas os documentos nunca apontam uma investigação sobre o ensino. Os questionários abordam os alunos e como eles se comportam na escola, mas não indagam que escola é essa. Isso não faz sentido.
Como deveria ser o procedimento então?
BEATRIZ Somente consigo entender determinado comportamento levando em conta a circunstância e o ambiente em que ele emerge. Alunos defasados em leitura e escrita não são disléxicos. Alguns foram castigados por muitos anos enfrentando problemas nos bancos escolares e estão em grande sofrimento por ter recebido o diagnóstico de dislexia. Tornaram-se incrédulos em relação à própria capacidade de aprender. Chegam a tremer quando se aproximam de um texto e querem fugir da situação.
Existem estudos comprovando que é um contrassenso considerar somente o indivíduo em vez de incluir o que e como se ensina a ele?
BEATRIZ Sim. Como exemplo, cito uma situação de investigação realizada por Frank Vellutino (norte-americano, pós-doutor em Psicologia e professor da Universidade de Albany, nos Estados Unidos). Em 1979, ele reuniu dois grupos de adultos: um com pessoas diagnosticadas disléxicas e outro com bons leitores. A ambos foi solicitada a leitura de um material escrito em hebraico, sendo que ninguém ali conhecia aquela língua. O resultado foi que a imagem no cérebro de todos os envolvidos na situação foi igual. Ninguém dominava o instrumento que tinha em mãos.
Por que cada vez mais estão aparecendo diagnósticos de dislexia?
BEATRIZ Esse quadro tem a ver com a patologização da vida normal. Isso está ocorrendo a tal ponto que não nos damos conta de que cada vez mais usamos termos patológicos para estados saudáveis. Não se fala mais: "Como esse menino é cheio de vida, agitado". Diz-se que ele é hiperativo e buscam-se tratamento, remédios. Mas ele não é. Hoje, fala-se em hiperatividade para qualquer coisa, mas é uma doença, coisa séria. Além disso, a indústria da saúde agora explora o mercado das pessoas saudáveis, convencendo-as de que estão doentes. Estima-se que entre 10% e 15% da população mundial seja disléxica, ou seja, três a quatro alunos em uma turma de 30. Se isso for verdade, a espécie humana está em processo de degeneração, condenada. O que me parece mais provável é que estejamos diante de situações normais, porém patologizadas.
Em que situação se encontram os professores diante dos laudos de dislexia?
BEATRIZ A busca pela doença e pelo laudo enfraquece a ação docente, tira das mãos dos educadores a responsabilidade de encontrar caminhos para a superação de dificuldades. Eles são desautorizados como profissionais. Muitos se sentem culpados quando se deparam com alunos que não sabem ler e escrever, mas ficam aliviados quando o laudo é apresentado, anseiam por ele. Assim, podem dizer: "Essa criança não tem jeito, ela tem laudo". Mas há vários professores que se preocupam quando o estudante recebe o diagnóstico. Eles estão lutando para encontrar uma forma de trabalhar com aquele aluno e de repente chega uma suposta autoridade científica dizendo que a função docente vai ser só compensar uma deficiência porque aquela criança nunca vai conseguir aprender, tem um problema que está no corpo. É belo ver pessoas que, mesmo com o laudo em mãos, batalham contra o aprisionamento das crianças e buscam até o apoio de outros profissionais, como psicopedagogos e psicólogos, para reverter a situação. Muitas vezes esses especialistas nem são necessários.
Ainda assim, muitos alunos ditos disléxicos estão na escola, têm acompanhamento psicopedagógico, aulas particulares e não aprendem a ler e escrever. Por quê?
BEATRIZ Mesmo com tanta coisa à volta deles, às vezes ninguém encontrou um caminho para fazer com que aprendessem realmente e criassem um bom vínculo com a leitura e a escrita. Nem todos aprendem do mesmo jeito. Frequentemente, o tratamento para os ditos disléxicos é somente pedagógico.
Os testes realizados para diagnosticar dislexia são eficazes?
BEATRIZ Nunca comprovei o que eles apontam. Está em voga atualmente, por exemplo, o exame de processamento auditivo central. O resultado de uma criança que conheci indicou que tinha dificuldade de discriminar figura e fundo sonoros, ou seja, não demonstrava boa capacidade de se concentrar em determinado som tendo outro junto, ao fundo. Trabalhei com ela e um dia, apesar do imprevisto de haver uma máquina de cortar grama ligada próximo à janela da sala, tudo correu bem e ela se concentrou na conversa. Mas me contou que se sentiu tensa durante o exame em que foi diagnosticada por ter ficado fechada em uma cabine. Assim, não conseguiu desempenhar o seu melhor. O exame também expõe as pessoas a outras situações estranhas, como repetir palavras que não existem.
Como atuar com os ditos disléxicos?
BEATRIZ Trabalhamos com abordagens diversas, com jogos, brinquedos e brincadeiras, e buscamos criar uma relação entre a pessoa e o mundo da leitura e da escrita, desvinculando-o, se necessário, das tarefas escolares se ela se mostra temerosa disso naquele momento. Variamos o modo de ensinar de acordo com as reações apresentadas. Obtemos resultados: as crianças e os jovens aprendem a ler e escrever. E aí dizem que tratamos a dislexia. Minha vez de perguntar: qual era mesmo a doença?
Apesar das questões aqui discutidas e das pesquisas divulgadas, a dislexia está catalogada no CID-10. Como encara isso?
BEATRIZ Acredito que isso deva ser revogado, pois já está em marcha uma revolução na Educação, o início de uma nova maneira de ensinar, que não somente acolhe mas valoriza realmente a heterogeneidade. Minha prática de diversos anos e a literatura científica me dizem que a dislexia de desenvolvimento é uma doença inventada. No passado, a homossexualidade também constava no CID e foi retirada.
BEATRIZ Esse quadro tem a ver com a patologização da vida normal. Isso está ocorrendo a tal ponto que não nos damos conta de que cada vez mais usamos termos patológicos para estados saudáveis. Não se fala mais: "Como esse menino é cheio de vida, agitado". Diz-se que ele é hiperativo e buscam-se tratamento, remédios. Mas ele não é. Hoje, fala-se em hiperatividade para qualquer coisa, mas é uma doença, coisa séria. Além disso, a indústria da saúde agora explora o mercado das pessoas saudáveis, convencendo-as de que estão doentes. Estima-se que entre 10% e 15% da população mundial seja disléxica, ou seja, três a quatro alunos em uma turma de 30. Se isso for verdade, a espécie humana está em processo de degeneração, condenada. O que me parece mais provável é que estejamos diante de situações normais, porém patologizadas.
Em que situação se encontram os professores diante dos laudos de dislexia?
BEATRIZ A busca pela doença e pelo laudo enfraquece a ação docente, tira das mãos dos educadores a responsabilidade de encontrar caminhos para a superação de dificuldades. Eles são desautorizados como profissionais. Muitos se sentem culpados quando se deparam com alunos que não sabem ler e escrever, mas ficam aliviados quando o laudo é apresentado, anseiam por ele. Assim, podem dizer: "Essa criança não tem jeito, ela tem laudo". Mas há vários professores que se preocupam quando o estudante recebe o diagnóstico. Eles estão lutando para encontrar uma forma de trabalhar com aquele aluno e de repente chega uma suposta autoridade científica dizendo que a função docente vai ser só compensar uma deficiência porque aquela criança nunca vai conseguir aprender, tem um problema que está no corpo. É belo ver pessoas que, mesmo com o laudo em mãos, batalham contra o aprisionamento das crianças e buscam até o apoio de outros profissionais, como psicopedagogos e psicólogos, para reverter a situação. Muitas vezes esses especialistas nem são necessários.
Ainda assim, muitos alunos ditos disléxicos estão na escola, têm acompanhamento psicopedagógico, aulas particulares e não aprendem a ler e escrever. Por quê?
BEATRIZ Mesmo com tanta coisa à volta deles, às vezes ninguém encontrou um caminho para fazer com que aprendessem realmente e criassem um bom vínculo com a leitura e a escrita. Nem todos aprendem do mesmo jeito. Frequentemente, o tratamento para os ditos disléxicos é somente pedagógico.
Os testes realizados para diagnosticar dislexia são eficazes?
BEATRIZ Nunca comprovei o que eles apontam. Está em voga atualmente, por exemplo, o exame de processamento auditivo central. O resultado de uma criança que conheci indicou que tinha dificuldade de discriminar figura e fundo sonoros, ou seja, não demonstrava boa capacidade de se concentrar em determinado som tendo outro junto, ao fundo. Trabalhei com ela e um dia, apesar do imprevisto de haver uma máquina de cortar grama ligada próximo à janela da sala, tudo correu bem e ela se concentrou na conversa. Mas me contou que se sentiu tensa durante o exame em que foi diagnosticada por ter ficado fechada em uma cabine. Assim, não conseguiu desempenhar o seu melhor. O exame também expõe as pessoas a outras situações estranhas, como repetir palavras que não existem.
Como atuar com os ditos disléxicos?
BEATRIZ Trabalhamos com abordagens diversas, com jogos, brinquedos e brincadeiras, e buscamos criar uma relação entre a pessoa e o mundo da leitura e da escrita, desvinculando-o, se necessário, das tarefas escolares se ela se mostra temerosa disso naquele momento. Variamos o modo de ensinar de acordo com as reações apresentadas. Obtemos resultados: as crianças e os jovens aprendem a ler e escrever. E aí dizem que tratamos a dislexia. Minha vez de perguntar: qual era mesmo a doença?
Apesar das questões aqui discutidas e das pesquisas divulgadas, a dislexia está catalogada no CID-10. Como encara isso?
BEATRIZ Acredito que isso deva ser revogado, pois já está em marcha uma revolução na Educação, o início de uma nova maneira de ensinar, que não somente acolhe mas valoriza realmente a heterogeneidade. Minha prática de diversos anos e a literatura científica me dizem que a dislexia de desenvolvimento é uma doença inventada. No passado, a homossexualidade também constava no CID e foi retirada.
Fonte: Nova Escola
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